A existência sem classificações

Muitos terapeutas que iniciam sua atuação na perspectiva fenomenológica existencial questionam sobre 'como é a ansiedade na fenomenologia?', ou 'como a existencial entende a depressão?', partindo do pressuposto que se tenha uma explicação pronta para essas situações nesta abordagem. Porém, nas perspectivas fenomenológica e existencial não se parte de teorias ou classificações prévias, mas da própria existência, evidenciando suas peculiaridades.

A filosofia existencialista e a atitude fenomenológica não utilizam classificações prévias sobre os modos de ser, mas partem da existência e da experiência de cada pessoa, do modo como se dá sua relação com os outros, com o tempo, os espaços e consigo mesma, buscando compreender a pessoa em sua singularidade, entendendo o sofrimento como a expressão de um modo de ser e de se relacionar, ao invés de uma classificação clínica.

Como nos cursos de psicologia temos muito mais contato com as perspectivas psicanalítica e comportamental, onde ambas tendem a classificar o sofrimento humano, acabamos tendendo a buscar essas classificações também na fenomenologia existencial, porém esta perspectiva não busca encarar a existência por meio de classificações, de modo que não parte de uma noção prévia sobre a existência anteriormente ao contato com a própria existência.

No início do século XIX, o filósofo dinamarquês Sören Kierkeggard destacou e ressaltou a existência singular ao invés dos sistemas explicativos, apontando que a existência é mais complexa do que qualquer sistema que a busque explicar, pois os sistemas explicativos classificam e rotulam, e quando se rotula uma pessoa acabamos negando suas qualidades singulares e a tomamos a partir de suposições generalistas, e o que interessa a perspectiva existencialista é a singularidade.

Feijoo (2014) destaca que a filosofia da existência pretende retomar o contexto onde a existência mesma acontece, ao invés de buscar uma explicação objetiva ou uma descrição ou classificação sobre a existência. O método fenomenológico possibilita um contato com o fluxo da vida, do modo como acontece no cotidiano, ao invés de buscar uma verdade universal, ou classificações explicativas.

Neste sentido, as perspectivas existencialista e fenomenológica buscam, por meio do método fenomenológico, deixar de lado qualquer suposição teórica ou classificação sobre a pessoa, de modo a se aproximar da existência a partir da própria existência em sua manifestação concreta e singular, reconhecendo as peculiaridades de cada um.

"Husserl propõe a suspensão de qualquer julgamento, (sobre a existência, sobre as propriedades reais e objetivas do que aparece), abandonando os pressupostos em relação ao fenômeno que se apresenta, ao que denomina de suspensão fenomenológica ou epoché."
(Lima, em 'Ensaios sobre fenomenologia', 2014)

A atitude fenomenológica na psicoterapia se inicia deixando de lado todas as teorias sobre a existência e os modos de ser da pessoa. Qualquer classificação ou suposição acerca da existência é deixada de lado para que se possa acessar tal existência a partir de sua manifestação concreta, do modo como aparece em seu contexto histórico de sentidos. Portanto, não se parte de nenhuma teoria acerca da pessoa, e qualquer classificação prévia pode atrapalhar o contato com a pessoa.

De acordo com Teixeira (2006), a maior parte das psicoterapias existenciais não tomam a perturbação mental ou a classificação da psicopatologia como foco principal de sua intervenção, por considerarem esta uma perspectiva redutora. Ao contrário disso, valorizam existência em sua complexidade e em suas possibilidades, ao invés de enquadrar esta em classificações psiquiátricas.

Assim, a fenomenologia visa abandonar inicialmente qualquer pressuposição objetiva sobre o sofrimento emocional, qualquer tendência classificativa ou técnica sobre a existência. Ao invés de responder o que é a ansiedade ou a depressão, a fenomenologia busca compreender o modo como essa experiência se dá em cada pessoa e seus sentidos possíveis, entendendo a existência enquanto uma abertura ao mundo, um ser de possibilidades.

"As ciências naturais procedem pela coleta de dados, propondo hipóteses que explicam os dados, concebendo testes para as hipóteses propostas, e assim por diante. Desse modo, as ciências naturais trabalham indo para além do que é dado na experiência, sempre procurando por leis e princípios que possuam uma relação explanatória com os objetos e processos que são observados. A fenomenologia, em contraste, foca precisamente no que é dado na experiência, abstendo-se inteiramente do método de formular hipóteses e extrair inferências do que é dado para o que se encontra aquém ou além disso."
(Cerbone, em 'Fenomenologia', 2014)

Além de não buscar partir de classificações, também não visa a classificar ou enquadrar a existência e os modos de ser em termos e conceitos, pois não se busca a generalização da experiência, muito menos uma objetividade, mas justamente destacar a esfera subjetiva da existência. Neste sentido, a pergunta a ser feita não é "o que é a ansiedade na fenomenologia?", mas "como fazer fenomenologia de uma experiência de ansiedade?".

As perspectivas fenomenológica e existencial propõem um modo específico de encarar a existência humana, que se difere muito das tendências positivistas e idealistas, onde não se busca explicar ou teorizar a existência, mas se aproximar de cada existente, em suas singularidades e diferenças, dentro do que cada pessoa tem de peculiar, buscando assim captar seu modo de sentir e se afetar na relação que estabelece com o mundo, com os outros e consigo mesma.


Referências:
CERBONE, David. Fenomenologia. Tradução: Caesar Souza. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
FEIJOO, Ana M. L. C. A Fenomenologia como Método de Investigação nas Filosofias da Existência e na Psicologia. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Out-Dez 2014, Vol. 30 n. 4, pp. 441-447.
LIMA, Antônio Balbino, org. Ensaios sobre fenomenologia: Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty. Ilhéus, BA: Editus, 2014.
TEIXEIRA, José A. Carvalho. Introdução à psicoterapia existencial. Aná. Psicológica,  Lisboa, v. 24, n. 3, p. 289-309, jul. 2006.

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